A reforma trabalhista proposta pelo presidente Michel Temer pretende trazer mais possibilidade de definição de direitos por meio de negociação coletiva. Se o projeto de lei do governo for aprovado, um dos pontos que poderá ser definido por meio de acordo ou convenção coletivos será o registro de ponto. A medida, sob o viés dos empregadores, cria a expectativa de desburocratização. Mas especialistas em direito do trabalho demonstram preocupação com a dificuldade de fiscalização do cumprimento da carga horária que a possível mudança pode gerar e, consequentemente, perdas de direitos de empregados.
Atualmente, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) define que estabelecimentos com mais de 10 trabalhadores devem ter registro de ponto manual, mecânico ou eletrônico. E uma portaria do Ministério do Trabalho regulamenta como deve ser feito o registro, com detalhes técnicos e especificação das informações que devem constar no registro.
Na nova proposta, as regras sobre os registros de ponto passarão a depender do que for firmado entre sindicato de empregados e empresa ou sindicato de empregadores.
Na opinião da advogada Izabela Rücker Curi, que trabalha com direito empresarial, a medida é positiva, pois pode resultar em desburocratização. Ela conta que a necessidade de instalação de sistemas de ponto acabou gerando alto custo para as empresas que, em alguns casos tiveram que testar mais de um modelo até que funcionasse bem.
Izabela vê a medida como positiva especialmente para as pequenas empresas, que, segundo ela, acabam se desmotivando a aumentar o quadro de funcionários devido às exigências relacionadas ao registro de jornada. Assim, acabam mantendo o limite de 10 funcionários ou mantêm trabalhadores atuando de maneira informal.
“A exigência do registro de ponto trouxe uma informalidade muito maior e acaba evitando que ser humano tenha dignidade. O que queremos é que exista trabalho formal”, analisa a advogada.
Críticas
O advogado José Lúcio Glomb, especializado na área trabalhista e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR), vê a possibilidade com preocupação. “É temerária a adoção dessa política através de um acordo coletivo [para definir como será o ponto].” Glomb acrescenta que, com a tecnologia, só não faz registro de ponto quem não quer. “Até motorista de caminhão tem controle de ponto”, lembra o advogado. Na o opinião dele, é preciso otimizar a maneira como os registros são feitos. Ele cita como exemplo países europeus em que há sistemas com cartões com sensores que registram o ponto assim que o funcionário entra nas dependências da empresa.
“A fraude já ocorre com toda a rigidez da legislação. A mudança pode tornar mais fácil esse tipo de prática”, analisa o advogado trabalhista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Wagner Gusmão. Na opinião dele, o artigo 74 da CLT e a Portaria 1.510 do Ministério do Trabalho já suprem a necessidade de regulamentação sobre o tema.
Para Nasser Ahmad Allan, advogado da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná e doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse tipo de flexibilização “seria para incentivar fraude e ausência de controle e dificultaria a fiscalização do Ministério Público do Trabalho”.
Veja a proposta de alteração
Art. 611-A – A Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho tem força de lei quando dispuser sobre:
[…]
XII- Registro da jornada de trabalho.
Conheça a lei atual
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Art. 74 – O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
§ 1º – O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.
§ 2º – Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.
Fonte: Gazeta do Povo