O mercado de seguros se reinventa: Insurtech, Open Insurance e seus desafios

As insurtechs têm se difundido no mercado de seguros, seguindo o exemplo das fintechs, para o mercado bancário.

São startups, nos termos da Lei Complementar 182 de 1º de junho de 2021 (marco legal das startups no Brasil), art. 4º, “as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.”

O que caracteriza as insurtechs é o uso da tecnologia a favor das operações de seguros, envolvendo agilidade na contratação, verificação da ocorrência e solução dos sinistros, o pagamento de prêmios, com digitalização dos processos de seguros, assinatura digital de contratos, etc. Afastar processos repetitivos e manuais, ganhar eficiência na análise de dados, identificação e solução de falhas em processos internos das seguradoras, dar fluxo às informações dos segurados, evitar perda de dados, proporcionar a gestão estratégica dos dados por meio de dashboards, inteligência artificial e assim por diante. Mais eficiência, menor custo para o consumidor e maior lucro para a seguradora.

É evidente que a tecnologia necessita de dados para existir. Os dados precisam ser coletados, tratados e geridos. Para que as startups, tanto securitárias, quanto financeiras, possam atingir toda sua potencialidade, necessitam de mobilidade nos dados: compartilhamento para que a inteligência artificial tenha maior quantidade de dados e dados exatos, possibilitando que as análises geradas possam ser fiéis à realidade e utilizadas de forma segura e eficaz, para o fim a que se destina.

O Open Insurance, ou Sistema de Seguros Aberto, é um assunto, portanto, que está em alta.
O tema, assim como a questão da inovação no mercado de seguros, foi um dos pontos centrais do XIV Congresso Brasileiro de Direito de Seguro e Previdência.

O mercado de seguros no Brasil é um tanto conservador, como não poderia deixar de ser, afinal trabalha com recursos de terceiros e com grandes riscos provenientes de sinistros de proporções enormes, que podem ocorrer a qualquer momento.

Mesmo assim, o mercado de seguros, tanto sob o ponto de vista negocial, quanto jurídico, está se adaptando, não para o que vem por aí no futuro, mas para realidade atual que a sociedade já vive, em termos de tecnologia e inovação.

Os órgãos que fixam as diretrizes e normas da política de seguros privados, ditam o controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, estão atentos a essa necessidade de evolução.

A Susep criou seu hotsite especificamente sobre Open Insurance: https://openinsurance.susep.gov.br/ , onde se pode ter acesso às informações primordiais sobre o assunto, como cronograma de implementação, benefícios almejados e assim por diante. O mesmo para a CNSEG: https://cnseg.org.br/open-insurance-novo.html.

Para o Open Insurance temos a Resolução CNSP n° 415/2021, que dispõe sobre a implementação do Sistema de Seguros Aberto (Open Insurance); Circular Susep n° 635/2021, dispondo sobre a regulamentação das diretrizes estabelecidas pelo CNSP para implementação do Sistema de Seguros Aberto (Open Insurance).

Há, ainda, os manuais, que detalham os requisitos técnicos e os procedimentos operacionais que deverão ser seguidos para sua implementação.

O Open Insurance insere-se num plano maior, os Sistemas Abertos, do qual também faz parte o Open Banking, instituído em 2020, em Resolução conjunta pelo Banco Central e o Conselho Monetário Nacional. O Cnsp, CMN, Bacen, Susep, dentre outros, estão aliados na formatação da regulamentação do compartilhamento de dados, até mesmo para garantir a unificação entre ambos.

Open banking e Open Insurance, em poucas palavras, são a organização para o compartilhamento de informações que visa gerar maior mobilidade para os consumidores gerirem seus ativos financeiros, bem como a gerar novos negócios, mais ágeis e competitivos, para o mercado.

Em seu site, a Susep esclarece que “é a possibilidade de consumidores de produtos e serviços de seguros, previdência complementar aberta e capitalização permitirem o compartilhamento de suas informações entre diferentes sociedades autorizadas/credenciadas pela Susep, de forma segura, ágil, precisa e conveniente.” Para isso, o Open Insurance “operacionaliza e padroniza o compartilhamento de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas” (https://openinsurance.susep.gov.br/)

Para as pessoas físicas serão compartilhados dados cadastrais, tais como nome, endereço, CPF, RG, passaporte, filiação, data de nascimento, estado civil, nacionalidade. Poderão ser compartilhadas informações complementares, tais como renda, profissão, patrimônio, informações de cônjuge, produtos contratados e representantes que utilizam. Para as pessoas jurídicas, as informações complementares serão o faturamento, o valor patrimonial, o ramo de atuação, produtos contratados e o representante que utilizam. São dados que já fornecidos na proposta de seguro, na atualidade.

De acordo com o CNSEG, o Open Insurance será realizado em 3 fases: a primeira é chamada de open data, teve início em dezembro de 2021 e se estende até 30 de junho de 2022, com o compartilhamento de dados públicos das empresas participantes, serviços e produtos disponíveis e canais de atendimento; a segunda fase está prevista para ocorrer de setembro de 2022 a junho de 2023, composta pelo compartilhamento, pelos participantes, dos dados pessoais e das movimentações dos clientes relacionadas aos produtos de seguros, previdência complementar aberta e capitalização, quando autorizado pelos titulares; a terceira fase , que irá de dezembro de 2022 até junho de 2023, trará a efetivação do Open Insurance, com o resgate (possibilidade de o segurado receber de volta recursos aportados), portabilidade e aviso de sinistro, entre outros. Essas medidas fomentarão o mercado de seguros e gerarão maior liberdade para o consumidor gerir os interesses e recursos já contratados e a contratar, em termos de seguros.

Assim, o mercado de seguros contribui com a promoção da cidadania financeira, definida pelo Banco Central como “É o exercício de direitos e deveres que permite ao cidadão gerenciar bem seus recursos financeiros.”

Certamente, haverá vários complicadores operacionais, a começar pela dificuldade de se obter o termo de consentimento dos titulares pessoas físicas, para o compartilhamento de dados, dentro dos padrões exigidos pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Ao mesmo tempo, pode-se enxergar que a LGPD não tem por foco proteger pessoas jurídicas, gerando a possibilidade de o mercado segurador iniciar pelo compartilhamento dos dados de empresas.

A observação deste esforço nos faz discordar, respeitosamente, da opinião no sentido de que o mercado de seguros está desatualizado. O mercado está atento e se reinventando, com a mesma velocidade em que a nova regulamentação vem permitindo maior flexibilidade. Campo fértil, este, para debates em ambiente específico.

É fácil perceber que a comunidade jurídica, nos setores público e privado, está buscando transparência nos objetivos e informações para o uso das novas tecnologias disponíveis, como os criptoativos, blockchain, uso de aplicativos e inteligência artificial.

Apesar disso, ainda é necessário traçar um caminho bastante longo até que as diretrizes e métodos de soluções de possíveis conflitos fiquem realmente claras para todos personagens: a sociedade, as seguradoras (tradicionais ou insurtechs), os segurados e potenc iais segurados, corretores, representantes novos intermediários, órgãos fiscalizadores da relação de consumo e Poder Judiciário.

A complexidade do mundo atual justifica o esforço. Estamos num momento de constante transformação tecnológica. Vários países lançaram suas próprias criptomoedas emitidas por Bancos Centrais, conhecidas como CBDCs (Central Bank Digital Currency), a exemplo da China com o Yuan. O Real Digital já é um projeto do Banco Central, a ser criado até 2024, para transação financeira sem a necessidade de passar por Instituições Financeiras.

Existem carros e máquinas autônomas, que dispensam, no todo ou em parte, a intervenção humana para circularem. A Alemanha divulgou ao mundo sua pretensão em autorizar os taxis autônomos deste ano de 2022 em diante. O uso da inteligência artificial em todos ramos de atividade torna os negócios escaláveis, no linguajar das startups, gerando riscos em grande volume.

O uso da inteligência artificial, até mesmo nas casas, produz o risco de falhas que passam a necessitar de distribuição de prejuízo, foco principal dos seguros.

Os dados apontam para o aumento constante de venda de celulares e computadores no Brasil. De acordo com a consultoria IDC Brasil, houve um aumento de 5,9% na venda de celulares no 2º trimestre de 2022, em relação ao mesmo período do ano anterior. Foram vendidos 12,8 milhões de aparelhos no 1º trimestre.

Todas essas situações geram riscos e a necessidade de criação de novas soluções no mercado de seguros: tornar mais prática, compreensível, acessível e rápida a análise das propostas de seguros, pelos consumidores; reduzir custo operacional para as seguradoras e, consequentemente, os custos dos segurados; apoiar a mudança de cultura da população no sentido do fortalecimento da compreensão da função social do seguro.

Como bem diz Angelica Carlini, “Seguro é um instrumento de equilíbrio social. Quando os riscos se materializam e geram danos é muito melhor que pessoas naturais ou jurídicas tenham cobertura de seguro por meio da qual possam diminuir o impacto econômico, refazer seus negócios, retomar suas vidas.” (https://www.migalhas.com.br/amp/coluna/migalhas-contratuais/354423/open-insurance-para-o-setor-de-seguro-privado-reflexoes-preliminares)

Por isso, é forte o movimento entre as seguradoras com foco em modernizar o mercado de seguros, para estarem aptas a acompanhar a revolução dos mercados.

Felizmente, os agentes reguladores do mercado de seguros enxergaram a necessidade de mudança no arcabouço regulatório. Muito há que se fazer nesta seara. Mas algumas mudanças têm efeitos positivos visíveis. As seguradoras passaram a ter maior liberdade para elaborar e formatar seus contratos de seguros, o que permite que sejam didáticos, escritos de forma acessível à população, sem as amarras da regulamentação anterior.

É de se comentar a urgência na utilização dos smart contracts e de design nos contratos, para facilitar o acesso dos consumidores às informações que geram aumento ou redução de direitos dentro deste tipo contratual.

As soluções jurídicas para esta realidade precisam ser eficientes, claras, simplificadas e com o objetivo de os segurados compreenderem melhor as escolhas contratuais que podem ser feitas e evitar futuros litígios.

Em conclusão, o mercado de seguros se reinventa, por meio das insurtechs e do Open Insurance. Cabe à comunidade jurídica debater os temas, para identificar as vulnerabilidades e soluções jurídicas aplicáveis, no sentido de prevenir e solucionar conflitos.

Izabela Rücker Curi é advogada e sócia fundadora do escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica, board member certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IBGC-São Paulo, mediadora ad hoc e consultora da Global Chambers na região Sul. Fundadora da Smart Law, uma startup focada em soluções jurídicas que mesclam inteligência humana e artificial. É mestre em Direito pela PUC-SP e negociadora especializada pela Harvard Law School. Está entre os advogados mais admirados do Brasil, conforme ranking da revista Análise Advocacia 500 e entre indicada pelo ranking Análise Advocacia Mulher de 2022, como uma das advogadas mais admiradas no país. Há 25 anos atua como advogada para corporações, é investidora anjo em startups, pesquisadora em blockchain e consultora em proteção de dados. E-mail: izabela@curi.adv.br.