Ação Caremark: Conselhos de Administração podem ser responsabilizados por omissão na supervisão de dados?

Decisão atinge empresa de Mark Zuckerberg e responsabiliza conselhos de administração por falhas de supervisão

Izabela Rücker Curi 

Mark Zuckerberg e outros dez executivos da Meta respondem a processo de US$ 8 bilhões por negligência na supervisão da prática de coleta de dados no Facebook. O caso trouxe à tona o tema da Ação Caremark. Com denominação pouco conhecida da população em geral, ela é baseada na doutrina Caremark, de acordo com a qual os conselheiros de administração das empresas podem ser responsabilizados quando deixam de implementar sistemas de controle e supervisão adequados ou ignoram sinais claros de irregularidades, deixando de agir para corrigi-las ou investigá-las.

Na verdade, doutrina Caremark é um conceito fundamental presente no Direito norte-americano, que se originou no ano de 1996, a partir de um caso envolvendo a empresa de saúde Caremark International. Esta foi alvo de uma investigação federal depois que seus acionistas moveram ação judicial contra o conselho de administração sob alegação de violação de dever de diligência por parte de integrantes da diretoria. 

Na prática, o que a doutrina estabelece é o “dever de supervisão” do conselho de administração das organizações . Os membros do conselho são responsáveis pela implementação e pelo monitoramento ativo do sistema interno de controle e compliance, com a intenção de evitar práticas que violem a legislação vigente e que resultem em grandes prejuízos financeiros e de imagem.

Em caso de falha de monitoramento consciente ou negligência do dever de supervisão, o conselho de administração pode vir a ser responsabilizado diretamente pelos danos sofridos pela companhia. Assim, os integrantes do conselho e diretores da empresa são responsabilizados por omissão e não por más decisões. 

Provar que o conselho agiu com má-fé ou de forma intencional não é uma tarefa fácil. A acusação precisa ser comprovada de forma bastante consistente e a falha apresentada deve ter nível elevado, não sendo suficiente a existência de um simples dano ou prejuízo. A Ação Caremark só pode ser aplicada quando o erro não foi cometido a partir de uma decisão ruim, mas sim por total ausência de supervisão.

No que diz respeito ao ônus da prova de má-fé ou abandono de dever, não é suficiente demonstrar que o conselho de administração deveria ter feito algo. É preciso comprovar que houve falha no estabelecimento de sistema de controle de risco e que sinais de alerta foram ignorados de forma consciente.

Na legislação brasileira, o termo Ação Caremark não é uma figura jurídica formalmente prevista. Porém, existe um conceito subjacente, definido como dever de diligência e de supervisão. Em seu artigo 153, a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) diz que “o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. Essa previsão legal aplica-se aos diretores. Ao conselho de administração cabe acompanhar e ficar atento para interceder com correções de rotas estratégicas, quando necessário. 

Desta forma, no Brasil ainda não há legislação que regulamente de forma clara aabrangência da responsabilização dos integrantes do conselho de administração. Nada impede, porém, que os estatutos das empresas e os regimentos internos dos conselhos estabeleçam suas regras quanto a isso. Em meu entendimento, ainda que estatutos e regimentos infernos não façam previsão expressa, a responsabilização pode o ocorrer a depender do caso. Caberá ao Poder Judiciário ou à Câmara Arbitral a análise do caso e das provas envolvidas.

*Izabela Rücker Curi é advogada, sócia fundadora do Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law, startup focada em soluções jurídicas personalizadas para o cliente corporativo. Atuante como conselheira de administração, certificada pelo IBGC.