A imperativa necessidade da regulamentação das Associações de Proteção Veicular pela SUSEP

O crescimento exponencial do setor, combinado com a vulnerabilidade de milhões de consumidores e os riscos sistêmicos identificados, tornaram a regulamentação não apenas desejável, mas absolutamente essencial.

Suely Tamiko Maeoka

Antes de 2025, as associações de proteção veicular operavam sem uma regulamentação específica, baseando-se no direito constitucional de livre associação (art. 5º, XVII da Constituição Federal) e no Código Civil (art. 53 da Lei nº 10.406/2022), que permite a união de pessoas para fins não econômicos. Embora não fossem ilegais, a ausência de normas detalhadas sobre seu funcionamento gerava uma série de problemas e inseguranças para consumidores e para o próprio mercado.

A situação mudou drasticamente com a Lei Complementar 213/2025, sancionada em 16 de janeiro de 2025, e a Resolução SUSEP 49/2025, publicada em abril de 2025. Tais medidas regulatórias estabelecem regras específicas de cadastramento, normas de governança e transparência e, inclusive, estabelece o cadastramento na SUSEP das associações. 

Veja-se que o principal motor para a regulamentação promovida era a insegurança jurídica para o consumidor. A falta de um órgão fiscalizador e de regras claras deixava os associados desprotegidos. Em caso de sinistro, não havia garantia de que o rateio seria devidamente coberto e as disputas judiciais eram frequentes devido à ambiguidade legal. Muitas vezes, os consumidores descobriam que não haviam contratado um seguro, mas sim uma associação, sem as mesmas garantias e fiscalização.

Diante deste quadro, foram identificados diversos problemas, tais como: contratos mal elaborados e ambíguos; a ausência de padronização nos termos de proteção; a dificuldade de execução judicial em caso de inadimplência; confusão entre os conceitos de seguro e proteção associativa, etc.

Tais fatos eram gerados devido as associações não possuírem a obrigação de constituir reservas financeiras para fazer frente aos pagamentos de indenizações, nem estavam sujeitas a uma legislação específica que regulamentasse sua atividade. Isso abria margem para má gestão, falta de transparência na aplicação dos recursos e até mesmo esquemas fraudulentos. Deste quadro, podemos observar as seguintes consequências: gestão inadequada dos recursos dos associados; a falta de prestação de contas transparente; a ausência de reservas técnicas adequadas; e casos de “pirâmides da felicidade” que prejudicaram milhares de associados.

Havia ainda a concorrência desleal com o mercado segurador, pois as associações podiam oferecer preços mais baixos, mas sem a mesma solidez e garantia. Observa-se que as associações competiam com as seguradoras tradicionais sem as mesmas exigências regulatórias, como capital mínimo, reservas técnicas e supervisão rigorosa da SUSEP. 

Deste modo, houve um crescimento exponencial do setor, que estava atendendo significativamente a milhões de brasileiros que não conseguiam acesso ao seguro tradicional, seja por restrição de perfil (nome negativado, veículos antigos, motocicletas de baixa cilindrada e caminhões) ou por custo. Estima-se que o setor possui mais de 4,5 milhões de veículos protegidos e movimentando bilhões por ano, grande demais para permanecer sem supervisão.

Todavia, a ausência de regulamentação levava a um grande volume de reclamações e litígios judiciais, sobrecarregando o sistema de Justiça. A regulamentação visa reduzir o número de litígios, proporcionando um marco legal claro e fiscalizável.

Desta forma, o principal motor para a modificação legislativa foi, sem dúvida, a necessidade de trazer segurança jurídica e proteção ao consumidor para um mercado em franca expansão, que, apesar de sua relevância social e econômica, operava em um vácuo regulatório.

Organismos internacionais e agências de rating também começaram a questionar a ausência de regulamentação de um setor tão significativo na economia brasileira, pressionando por maior transparência e controle.

A regulamentação das associações de proteção veicular pela SUSEP não foi uma escolha política arbitrária, mas uma necessidade econômica e social inevitável. O crescimento exponencial do setor, combinado com a vulnerabilidade de milhões de consumidores e os riscos sistêmicos identificados, tornaram a regulamentação não apenas desejável, mas absolutamente essencial.

E constitui fundamentalmente uma resposta estratégica às pressões internacionais por maior transparência, conformidade regulatória e alinhamento aos padrões globais de supervisão financeira. 

As pressões exercidas por organismos multilaterais, agências de rating, investidores institucionais e o mercado financeiro internacional foram fatores determinantes na formulação desta legislação. O Brasil reconheceu que, como economia integrada ao sistema financeiro global, não poderia manter indefinidamente um setor significativo operando sem supervisão adequada.

A incorporação de padrões internacionais na regulamentação brasileira demonstra a maturidade do país em reconhecer a importância do alinhamento global, ao mesmo tempo em que preserva as especificidades nacionais e as necessidades de inclusão financeira da população brasileira.

O resultado é um marco regulatório que não apenas atende às expectativas internacionais, mas também fortalece a posição do Brasil como mercado confiável e alinhado às melhores práticas globais. Esta regulamentação representa, portanto, um exemplo bem-sucedido de como pressões internacionais podem ser canalizadas para promover melhorias efetivas na proteção ao consumidor e na estabilidade do sistema financeiro nacional.

A regulamentação das associações de proteção veicular é, assim, tanto uma conquista da sociedade brasileira quanto um reconhecimento da importância do alinhamento aos padrões internacionais em um mundo financeiramente integrado.

Suely Tamiko Maeoka é advogada no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.