Já se foi o tempo em que a pessoa jurídica ou mesmo o controle societário – tanto diante da sociedade isolada, como diante dos grupos societários – eram os únicos parâmetros para a compreensão da empresa. De fato, a atividade econômica não mais se subsume com facilidade à dicotomia entre a empresa tradicional, marcada pela hierarquia e verticalização, e as relações típicas de mercado, marcadas pela coordenação entre agentes independentes1.
De outro lado, a direção unitária que caracteriza a empresa deixou de ser consequência apenas de estruturas hierárquicas societárias. Além dos contratos associativos, que criam os chamados grupos contratuais, a direção unitária pode igualmente decorrer de diversos outros mecanismos, tais como (i) intrincadas relações contratuais ou mesmo redes de contratos (networks) nas quais exista situação de controle externo ou cooperação que leve à direção unitária; (ii) participações societárias minoritárias que levem à influência significativa ou outras formas de cooperação entre a sociedade investidora e a investida; e (iii) interlocking ou outras formas de governança por meio das quais são criadas estruturas organizativas. Em muitos casos, tais alternativas são utilizadas pelos agentes econômicos de forma cumulativa, o que exige um esforço adicional para se entender os efeitos das referidas combinações.
O que se tem visto é a reconfiguração do poder empresarial em formas organizacionais inovadoras que, por mais que não se confundam com a empresa tradicional, agem como se assim fossem, na medida em que chegam, de maneira estável e coordenada, ao mesmo resultado final da direção unitária. Muito além dos grupos societários estruturados a partir do controle, existem hoje diversos outros caminhos, ainda não suficientemente compreendidos, para se chegar a resultados semelhantes.
Mesmo quando os diferentes arranjos contratuais e societários mencionados não chegam ao ponto de levarem à constituição de uma empresa ou novo ente econômico, criam um grau de cooperação e integração que é muito superior àquele decorrente dos contratos tradicionais de mercado ou contratos spot.
Não obstante, o chamado “Direito da Empresa” no Brasil, tanto do ponto de vista legislativo, como do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, continua focado na sociedade empresária individual, tendo poucos instrumentos para lidar com a empresa plurissocietária, com as novas configurações da empresa, bem como com as distintas formas de interação entre agentes econômicos por meio de empresas e relações que se estabelecem nos mercados.
Daí a desatualização do “Direito da Empresa”, uma vez que as premissas sobre as quais foi construído não são mais compatíveis com as principais formas pelas quais os agentes econômicos se organizam e interagem na atualidade.
Embora não seja possível antever todos os movimentos dos agentes econômicos, cujo dinamismo constitui o motor de seu sucesso na busca por lucros e pela redução dos custos de transação, os arranjos pelos quais esses entes estruturam suas atividades devem ser preocupação constante por parte do direito, na medida em que este serve tanto como limitação aos anseios irrefreáveis do raciocínio econômico, quanto como garantia de segurança e previsibilidade aos agentes de mercado e aos terceiros que com eles se relacionam ou que sofrem as consequências de suas ações.
Logo, o chamado Direito da Empresa, tanto do ponto de vista legislativo como do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, não pode mais priorizar apenas os átomos isolados – tais como são os empresários individuais, empresas individuais de responsabilidade limitada ou sociedades –, precisando se dedicar com intensidade às moléculas – os diferentes grupos societários e contratuais – e às distintas formas de interação entre esses múltiplos átomos e moléculas, por meio de arranjos com diferentes graus de cooperação e organização.
Daí se questionar inclusive a pertinência da expressão “Direito da Empresa”, buscando-se, por meio da expressão “Direito da Empresa e dos Mercados” ressaltar o reducionismo da primeira e a proposta de abertura de horizontes que é inerente à segunda.
Entretanto, a questão terminológica é secundária, pois o fundamental é a existência de esforços sérios, por parte dos juristas, para a compreensão do cenário econômico e para a oferta de soluções que sejam compatíveis com a complexidade da vida negocial.
Fonte: JOTA